Por quanto tempo deve o ser humano trabalhar? Dezoito horas, oito horas, seis horas? Sessenta anos, setenta, uma vida inteira, uma existência? Por quanto tempo é lícito sugar as "faculdades físicas e espirituais que existem na corporalidade, na personalidade viva" de um ser humano? Por quanto tempo é legal transformar um ser humano em mercadoria e consumi-lo no processo de trabalho e de valorização?
Algumas mulheres muitos anos atrás cruzaram os braços sobre os seios cobertos de "devils and dust",(demônios e poeira) do pó mortal que cobre o ar nas tecelagens e lhes impregna o pulmão, e disseram que oito horas era o bastante (era a ano de 1857 ou 1911 ou o tempo da exploração capitalista). Que por um tempo do dia elas se pertenceriam, que seus corpos seriam carícias e não fios, que seus lábios seriam carícias e não fios, que seus lábios seriam beijos e não valores de uso, que seus cérebros seriam idéias e não valor. Que por uma parte do dia, ao menos, levariam seus corpos a passear e a cuidar de si e de seus amados e olhariam o mundo lavado pela chuva e respirariam seu cheiro puro em seus pulmões cansados.
Quando as portas da fábrica se fecharam não sabemos da expressão de pânico em seus rostos, podemos apenas adivinhar o pavor nos olhos que a pouco brilhavam como apenas brilham os olhos de quem redescobre sua dignidade, podemos imaginar as narinas dilatadas pelo medo, podemos supor o último abraço na companheira ao lado que chorava enquanto as chamas consumiam o capital constante... o prédio, as máquinas... não mais lambidas pelo fogo do trabalho vivo, mas agora pelo ódio de classe, pelo ódio assassino. Podemos ainda ouvir o último suspiro e a esperança carbonizada naqueles corpos de meninas...
Naqueles minutos onde tudo ardia via-se sombras sobre o telhado da fábrica em chamas... espectros de bruxas e parteiras, de meninas que acariciavam seu sexo e adivinhavam o futuro, fantasmas de mães e filhas, de avós e putas que riam dos deuses e dos homens. Até que tudo não foi mais que cinzas. Por isso, depois que o carnaval passar com seus cortejos e a quarta feira trouxer suas cinzas neste oito de março, recolha-as, beije com carinho as cinzas de nossas meninas que a tanto tempo vagueiam pelo mundo levadas pelo tempo e se puder lhes perguntem: Por quanto tempo... por quanto tempo... por quanto tempo ainda?
HOMENAGEM DO COLETIVO DE GÊNERO DO FNM AO 8 DE MARÇO
domingo, 8 de dezembro de 2013
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